O niilismo, segundo Nietzsche, é uma fuga da realidade. Uma fuga que se dá por meio da negação dos propósitos e princípios necessários às decisões contidianas e, também, por meio de autoengano frente às dificuldades ou problemas que precisam ser vividos e enfrentados hoje. Assim o niilista idealiza o futuro e negligencia o presente.
Na Governança Clínica e na Gestão Hospitalar o niilismo se manifesta por meio de lideranças que idealizam metas futuras (visão), mas não enfrentam as adversidades ou eventos adversos contidianos e naturais da rotina de trabalho do dia a dia. Esta conduta destrutiva pode permear diversos aspectos da Governança Clínica e da Gestão Hospitalar, gerando retrabalho contínuo, gerando grande recorrência de incidentes, impactando negativamente os desfechos clínicos e a segurança dos pacientes, prejudicando a imagem da instituição aos olhos dos clientes internos e externos.
Em detrimento do bem-estar dos pacientes, em vez de construir uma Cultura de Governança Clínica (um sistema multifacetado e participativo) que verdadeiramente influencia e favorece os desfechos clínicos na rotina diária, a liderança niilista produz uma deterioração gradual da qualidade dos serviços de saúde ao fugir das análises críticas dos eventos diários e reduzir a governança a reuniões burocráticas que visam soluções futuras, mas sem atitudes na rotina de hoje. Assim os problemas agudos ou desvios de qualidade de hoje são exatamente os mesmos de ontém e, novamente, os mesmos de amanhã – “o eterno retorno”.
Com o conceito de “eterno retorno”, Nietzsche incentiva-nos a buscar soluções hoje, aceitando todos os momentos e oportunidades como dignos serem vividos sem fugas, pois a recorrência é certa e a negação desta verdade é uma enfermidade institucional. Assim, no ambiente hospitalar, somos motivados a resolver processos falhos hoje, pois estes tendem a retornar ao infinito (falhas na sepse, falhas na dor torácica, falhas na fratura de femur, no abdomem agudo e etc…). Mas, a cada retorno, quando diantes de uma Governança Clínica comprometida com o presente, teremos menos falhas e, somente assim, poderemos produzir um futuro melhor para nossos pacientes, a quem só o presente importa!
Para a superação do niilismo, Nietzsche propõe o poder ou a potência da vontade. Não se trata de simples desejo que nada move, mas sim volição forte para superar a paralisia e pomover os principíos e valores institucionais hoje, diariamente, e com alto senso de propósito em cada decisão, em cada evento a analisar ou gerenciar. Uma postura corajosa e autêntica, pautada no bem comum, para assim corrigir processos falhos, educar pessoas e mitigar os riscos inerentes ao eterno retorno.
Além de inteligência para reconhecer o eterno retorno, e volição para superar o autoengano e a inércia, a filosofia de Nietzsche fomenta também a diversidade de pensamentos, uma virtude institucional muito importante para as análises críticas de riscos e eventos, e para a construção de uma cultura de inovação. Assim as pessoas são encorajadas a divergir e a pensar fora da caixa, sempre em busca das soluções mais justas, equanimes e humanitárias. Ao delegar responsabilidades e confiar na capacidade de sua equipe, os líderes fomentam o desenvolvimento profissional e a autonomia de seus colaboradores, fortalecendo a resolução de problemas na rotina diária, reduzindo a reincidência de falhas e combatendo o niilismo.
Na governança clínica, é necessário que os gestores criem uma cultura organizacional que valorize a autonomia dos profissionais de saúde, a dignidade dos pacientes e a inovação contínua, exigindo alto nível de compromisso com a vida na rotina diária. Esta cultura é um antídoto contra o niilismo institucional, oferecendo uma base sólida para a tomada de decisões éticas.
Para alcançar essa transformação, é essencial que os líderes hospitalares sejam coerentes, que eles se questionem constantemente, revisem as premissas subjacentes às suas decisões, e busquem inspiração nas ciências humanas, na filosofia e na espiritualidade. A crítica ao niilismo nos ensina que, sem compromisso com o presente, qualquer idealização do futuro é autoengano. Sem um sentido real no presente, qualquer sistema organizacional está fadado à incoerência e decadência. Portanto, é fundamental que a governança clínica seja orientada por princípios e valores que promovam a vida em sua plenitude hoje, pois somente assim poderá haver um futuro digno.
Por fim, a aplicação da filosofia nietzschiana na gestão hospitalar pode não apenas revitalizar as práticas de governança, mas também contribuir para a criação de um ambiente mais saudável, sustentável e justo. Isso se dá na medida em que os gestores adotam uma postura mais solidária e proativa na criação de significados e na promoção de uma cultura de excelência e respeito à vida, sem fugas descabidas, com real volição para analisar criticamente os processos falhos, pois os processos precedem os desfechos e retornam ao infinito. Portanto, a única forma de influenciar positivamente os desfechos clínicos é tendo coragem de debater com transparência e responsabilidade cada processo falho. Debater com coragem e transparência tanto as falhas assistenciais quanto gerenciais ou administrativas – feedback bilateral ou multilateral.
Em conclusão, a crítica de Nietzsche ao niilismo oferece um valioso referencial teórico para repensar a governança clínica e a gestão hospitalar. Ao integrar os conceitos filosóficos de niilismo e de eterno retorno dos eventos, os gestores podem, por meio de volição e inteligência, não apenas melhorar a eficiência dos serviços de saúde, mas também garantir que suas práticas estejam alinhadas com valores éticos e humanitários, proporcionando um cuidado mais completo, proativo, significativo e responsável – sem mais fugas, sem incoerências!