
Em qualquer hospital que se proponha a oferecer cuidado de excelência, duas equipes médica concentram, simultaneamente, grande potencial de transformação positiva e, também, potencial de causar colapso ou o caos quando se comportam de forma indiferente às dores e urgências de seus semelhantes.
A Terapia Intensiva e a Anestesiologia, estas duas áreas, quando genuinamente comprometidas com a missão institucional e motivadas por propósito, são capazes de impulsionar um hospital inteiro para níveis de qualidade, segurança e resolutividade que superam qualquer expectativa. Nelas, cada silêncio, cada atraso, cada gesto de prontidão ou omissão, tem o poder de salvar ou ceifar vidas.
A UTI e a Anestesiologia são barreiras de segurança e operam constantemente nos extremos da vulnerabilidade humana, no fio da imprevisibilidade, onde o tempo é curto, o risco é alto, e a margem de erro é praticamente nula. Por isso mesmo, exigem liderança lúcida, vigilância contínua, cultura de aprendizado, domínio técnico, humildade para revisar condutas, coragem para educar e, acima de tudo, intolerância ao conformismo ou à indiferença.
Infelizmente, muitas vezes, essas equipes se fecham em si mesmas, tornam-se mornas, indiferentes aos desfechos ou acomodadas à normalização do risco. Assim o hospital afunda lentamente — ainda que por fora pareça funcional. A omissão de uma equipe de UTI frente à deterioração evitável, a apatia de uma equipe de anestesiologistas diante da repetição de eventos adversos, a negativa ou o atraso em uma admissão emergencial, o cancelamento cirúrgico pautado em desonestidade científica, são mais letais do que uma falha de equipamento ou a ausência de estrutura física. Porque matam com a pior das armas: a negligência!
A história da assistência hospitalar nos mostra que a decadência silenciosa começa quando essas duas equipes deixam de se responsabilizar pela vida que passa por suas mãos e abandonam seu papel crítico-construtivo, seu papel de guardião da integridade clínica. E o mais perverso é que essa omissão não costuma vir da maldade, mas da desistência: desistência de liderar, de enfrentar, de dizer não ao inaceitável, de dizer não a colegas que lesam a coletividade.
Por outro lado, quando essas mesmas equipes se conectam a um propósito elevado, quando assumem seu protagonismo com humildade, coragem e competência técnica, são capazes de transformar todo o hospital. São elas que reanimam a cultura da responsabilidade, que reescrevem protocolos, que elevam o padrão ético das decisões clínicas, que acordam gestores sonolentos, que protegem o paciente mesmo no momento em que ele está inconsciente ou entubado, confiando cegamente na integridade de seus cuidadores.
Por isso, aconselho todo hospital a escolher com alto nível de consciência e coerência, aqueles médicos que serão alçados à condição de líderes em Terapia Intensiva e Anestesiologia, pois este é um ato sagrado de responsabilidade institucional. Não se trata apenas de alocar cargos, mas de eleger guardiões da vida em seu momento mais frágil e exigente.
Negligenciar essa escolha, tolerar o morno, manter lideranças técnicas sem fibra ética ou entusiasmo moral, é o mesmo que plantar o caos no centro da instituição. Mas cuidar, formar e exigir dessas equipes o seu melhor é investir no futuro mais digno, seguro e elevado que um hospital pode construir.
Porque quando a UTI e a Anestesiologia lideram com alma, ciência e coerência, todo o hospital respira melhor.